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Artigos Jurídicos

Arrendamento urbano e COVID-19: como colmatar a lacuna legislativa e o futuro incumprimento generalizado de contratos de arrendamento? – Observatório Almedina, Fevereiro 2021 – acessível em:

https://observatorio.almedina.net/index.php/2021/02/15/arrendamento-urbano-e-covid-19-como-colmatar-a-lacuna-legislativa-e-o-futuro-incumprimento-generalizado-de-contratos-de-arrendamento/

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Na sequência do anúncio de um novo Estado de Emergência no passado dia 15 de janeiro de 2021 e sua renovação no dia 31 do mesmo mês de forma a produzir efeitos até ao dia 14 de fevereiro, com futuras expetáveis renovações finda essa data, somos motivados a problematizar o atual estado de um ramo tão sensível como o da habitação, mais propriamente do arrendamento urbano e da legislação excecional vigente em sede de combate ao surto epidemiológico Covid-19, cujo número de casos e mortes ultrapassou tudo aquilo que seria imaginável num país como Portugal, demandando medidas de urgência nos mais diversos ramos da economia.

Se é certo que o atual contexto é de incerteza, menos certeza se gera quando procuramos respostas na legislação transitória aplicável ao arrendamento habitacional e não habitacional, sendo que a prática revela que as soluções aventadas pelo legislador no sentido de harmonizar os interesses de senhorios e arrendatários neste mesmo contexto, claramente não se adequam à larga maioria das necessidades sentidas por ambas as partes.

Concretizando em breves linhas: nos contratos habitacionais, à luz do regime excecional resultante da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, vigorou a possibilidade de os arrendatários diferirem o pagamento das rendas relativas aos meses em que foi decretado o primeiro estado de emergência, referentes a abril, maio e junho, devendo o arrendatário proceder ao pagamento das mesmas, no prazo de doze meses, a partir de julho, em duodécimos, juntamente com a renda respetiva devida em cada um desses meses, repercutindo-se assim no pagamento, durante esse período de doze meses, de uma renda acrescida de um quarto de renda por cada mês.

Já no que concerne aos contratos não-habitacionais, referentes a estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas por determinação legislativa ou administrativa e estabelecimentos de restauração e similares, incluindo os exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, tendo iniciado com um regime em tudo semelhante ao aplicável aos contratos habitacionais, igualmente resultante da redação inicial da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, rapidamente sofreu uma cadeia de sucessivas extensões que tornam atualmente complexa a respetiva análise, mas que podemos simplificar da seguinte forma:

1. Lei n.º 17/2020, de 29 de maio – Em estabelecimentos encerrados ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa, o arrendatário poderia deferir as rendas compreendidas entre abril a agosto de 2020, iniciando a respetiva regularização dos valores diferidos entre setembro de 2020 e junho de 2021, sendo que juntamente com a renda devida em cada um desses meses, deveria ser pago o respeitante a 1/10 de renda.

2. Lei nº 45/2020, de 21  de agosto – Em estabelecimentos encerrados ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa, o arrendatário poderia deferir as rendas dos meses em que se mantivesse encerrado, não podendo o diferimento aplicar-se a rendas vencidas depois de 31 de dezembro de 2020, sendo que a regularização dos valores relativos a essas rendas deveria ocorrer entre 1 de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2022, isto é, em 24 prestações sucessivas, juntamente com a renda vencida em cada um desses meses.

3. Lei nº 75-A/2020, de 30 de dezembro – Em estabelecimentos encerrados ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa desde março de 2020 e que permaneçam ainda encerrados em 1 de janeiro de 2021 e a par do regime referido no número anterior, o arrendatário pode voltar a deferir o pagamento das rendas iniciando a regularização em 1 de janeiro de 2022 e terminando em 31 de dezembro de 2023, devendo o valor das rendas deferidas ser pago igualmente em 24 prestações sucessivas, juntamente com a renda vencida em cada um desses meses.

Paralelamente e a fim de salvaguardar a manutenção dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, ainda que cessados no entretanto, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estabelecia a suspensão da produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio e a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado, que a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril viria a alargar a outras situações de cessação do contrato de arrendamento como a caducidade, revogação, oposição à renovação e a desocupação a que se refere o artigo 1053.º do Código Civil, no período de 6 meses após caducidade, que a Lei n.º 14/2020, de 9 de maio, por sua vez, viria a manter suspensos até 30 de setembro de 2020, prazo este alargado a 31 de dezembro de 2020 pela Lei n.º 45/2020, de 20 de agosto e, mais recentemente, novamente alargado até 31 de junho, pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro, desde que o pagamento dos meses objeto de extensão seja devidamente salvaguardado, de forma pontual, pelo arrendatário.

Igual suspensão é aplicável aos estabelecimentos comerciais fechados por imposição legislativa ou medida administrativa, sendo que, quanto a estes, o arrendatário, apenas deverá proceder ao pagamento das rendas a partir do momento em que o estabelecimento visado reabre ao público, sob pena de resolução dos respetivos contratos.

Feito em breves linhas o enquadramento geral no que diz respeito ao pagamento das rendas durante o período excecional que atravessamos e a extensão da respetiva duração, ainda que o contrato, habitacional ou não-habitacional, houvesse de cessar durante o período visado, importa agora perceber se o regime que vem sendo adotado praticamente desde abril de 2020 até à presente data, tem efetivamente contribuído para salvaguardar os interesses efetivos das partes envolvidas.

A resposta terá de ser necessariamente negativa, relevando a prática que, na maioria das situações, quer se trate de contratos habitacionais como de contratos não-habitacionais, os intervenientes procuram, pela via do acordo, alcançar soluções que a própria lei deveria prever a priori, de forma a acautelar precisamente a obtenção de acordo entre as partes durante o contexto conturbado que atravessamos, uma vez que, na maioria das situações, quer por inexistência de cedências mútuas das partes na repartição do prejuízo, como por falta de compreensão da posição da contraparte, vêm-se estas obrigadas, especialmente os arrendatários, a socorrer-se da parca proteção conferida pelo legislador que, não dando uma resposta imediata ao problema, se limita, outrossim, a postergar para momento ulterior, a resolução do mesmo, sendo certo que o adiar desse problema, não determina necessariamente que o mesmo obtenha resolução efetiva mais tarde, sendo outrossim expetável que a cessação da proteção transitória e excecional que o manancial legislativo atualmente acoberta ao nível do arrendamento urbano, venha colocar a descoberto a verdadeira instabilidade existente nesta matéria por força do impacto causado pelo surto Covid-19.

Falamos essencialmente da falta de pagamento de rendas, quer por força do diferimento do seu pagamento no caso de estabelecimentos encerrados por imposição legislativa ou medida administrativa, mas também outrossim, por parte de estabelecimentos que não tendo tido qualquer faturação durante o período visado, ainda que permitida a sua abertura ao público, optam por fazer interpretação quiçá demasiado extensiva da letra da lei a fim de encontrarem nesta o consolo de poderem pagar mais tarde as rendas que não conseguem pagar no momento, na esperança de que dias melhores permitam dar guarida ao esforço económico de pagar não apenas a renda que se venha a vencer, mas também parte das rendas diferidas.

Ora, se tal situação é difícil de compaginar num estabelecimento encerrado por imposição legislativa, que naturalmente continua a ter encargos económicos ao final de cada mês, de igual forma não se entende como conseguem superar tal percalço estabelecimentos sem faturação e sem proteção legislativa, uma vez que nestes casos, poderá o senhorio promover a imediata resolução do contrato de arrendamento uma vez verificado o fundamento resolutivo constante do n.º 3 do artigo 1083.º, de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda.

O mesmo se diga, por sua vez, quanto aos contratos habitacionais em que quer por redução do salário normal como por motivo de desemprego de um dos membros do casal em caso de arrendamento de casa de morada de família, por exemplo, se vêm estes e outros casos, na completa impossibilidade de proceder ao pagamento pontual da renda devida mensalmente, quanto mais do duodécimo que a este deve acrescer no período compreendido entre julho de 2020 e junho de 2021.

É precisamente neste estado de coisas que nos encontramos, pois se por um lado existem senhorios na expetativa de receber rendas que por concessão legislativa ou por impossibilidade económica dos arrendatários não são pagas, existem, de igual forma, arrendatários sem possibilidade de garantir tal encargo, mesmo que à luz dos apoios ao pagamento de rendas anunciados.

De que forma vêm assim resolvendo as partes os imbróglios que o legislador não permite superar? A prática mostra-nos serem diversas as vias seguidas de forma a minimizar os impactos da pandemia nestes contratos, uma vez que nem sempre a melhor solução passará, como entende o legislador, por diferir o pagamento para momento posterior, quando poderia ser obtida uma solução intermédia que salvaguardasse por um lado o interesse do senhorio, por exemplo, ao receber parcialmente o valor da renda, contra um perdão ou pagamento posterior do remanescente, de forma a que o valor diferido seja inferior, causando menos impacto ao arrendatário que, numa altura de recuperação económica, em especial nos contratos não habitacionais, necessite de fazer face não apenas ao encargo da renda mas também de outros encargos associados a qualquer estabelecimento comercial.

Podemos assim dividir em três as soluções encontradas pelas partes para colmatar as lacunas legislativas, aplicáveis casuisticamente, quer a contratos de arrendamento habitacionais, em regra para habitação permanente e aos contratos não habitacionais, primordialmente destinados à exploração de estabelecimentos comerciais.

A primeira e de utilização mais comum, consiste na redução parcial do valor da renda, contra o pagamento de um valor diferido inferior ao atualmente legislado ou com inerente perdão por parte do senhorio do valor remanescente, tendo esta sido, efetivamente, uma das soluções encontradas e mais utilizadas pelas partes, de forma a garantir que, por um lado, o arrendatário continua a pagar as rendas dentro da sua disponibilidade económica, num valor inferior ao usual e previamente acordado com o senhorio, de 50% ou 75% do valor normalmente pago e, por outro garantindo que o senhorio continua a receber rendimentos prediais dos imóveis que explora, anda que inferiores ao valor que geralmente recebia, na medida em que será porventura mais útil ao senhorio, numa altura de maior instabilidade económica, continuar a receber rendas, ainda que inferiores, que receber, a partir de janeiro de 2022, no que concerne aos contratos não-habitacionais em que é explorado estabelecimento comercial encerrado por imposição legislativa ou medida administrativa, além do valor normal de renda, o valor da renda diferido, em vinte e quatro prestações, numa altura em que porventura poderá ter menor necessidade de tais proventos do que terá precisamente na presente conjuntura. 

Uma outra solução também na disponibilidade das partes e não raras vezes utilizada, consiste na celebração de um aditamento ao contrato de arredamento estabelecendo a alteração do valor da renda por período determinado, em geral um, dois ou mais anos, consoante a previsão das partes para a recuperação económica do arrendatário, a qual poderá surgir eventualmente associada ao estabelecimento de escalonamentos no aumento valor da renda para assim permitir, consoante a recuperação progressiva da estabilidade financeira do arrendatário que o mesmo vá procedendo ao pagamento de rendas mais elevadas ao longo dos meses ou dos anos estipulados, para assim colmatar não apenas o seu prejuízo financeiro mas também o do próprio senhorio, sendo comum, neste último tipo de casos, em especial em estabelecimentos de restauração e hotelaria, a estipulação da dilatação do próprio prazo de duração do contrato de arrendamento de forma a aumentar a confiança dos senhorios na estabilidade do vínculo que mantém com o arrendatário mas também para permitir aos próprios arrendatários, num posterior período de maior afluência económica, a recuperação do avultado investimento económico que por regra foi feito no início da execução do contrato de arrendamento e mesmo durante a própria execução, por exemplo na conservação e manutenção, nos estabelecimentos em questão.

Numa última vertente, porventura menos satisfatória para ambas as partes mas não raras vezes necessária, acordam as partes, para fazer cessar, em fase embrionária, o prejuízo que ambas atravessam perante a impossibilidade por parte do arrendatário de fazer face ao encargo mensal de pagar as rendas devidas e não se enquadrando numa das situações dignas de proteção na letra da lei, em proceder à revogação do contrato de arrendamento celebrado, assim fazendo cessar o vinculo existente entre senhorio e arrendatário, geralmente associado a um acordo de pagamentos quanto a eventuais valores em dívida.

Em resposta à pergunta que lança o repto que justifica as presentes considerações (como colmatar a lacuna legislativa e o futuro incumprimento generalizado de contratos de arrendamento?), importa notar que não existe uma resposta exata nem tão pouco precisa para o problema que vivenciamos em sede de arrendamento urbano, situação mais do que natural quando existem interesses conflituantes tão distintos que importa, de alguma forma, compatibilizar entre si e, simultaneamente, harmonizar com as terríveis consequências que o Covid-19 nos trouxe.

Não obstante, não sendo contrárias à lei, qualquer uma das soluções supra elencadas é lícita e como tal suscetível de ser utilizada face à manifesta lacuna legislativa na maior parte dos casos em que o simples diferimento de pagamentos não aproveite nem ao senhorio nem ao arrendatário, sendo assim pertinente e necessária a previsão legal de tais situações de forma a ressalvar a ausência de consenso em parte não despiciente dos casos mas também de forma a evitar o há muito preconizado futuro incumprimento definitivo de muitos destes contratos que apenas de forma artificial,por força dos regimes excecionais vigentes, ainda permanecem válidos e cujas consequências, na ausência de uma real intervenção legislativa, serão devastadoras e opostas aos propósitos que devem presidir a um mercado de arrendamento que se pretende saudável, quer para senhorios como para arrendatários, sobretudo nos tempos que correm.



 o Coronavírus: Medidas Legislativas Adotada

 – Observatório Almedina, Fevereiro 2021 – acessível em:

https://observatorio.almedina.net/index.php/2020/03/27/o-arrendamento-urbano-e-o-coronavirus-medidas-legislativas-adotadas/

Constituindo a situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19, uma realidade de natureza excecional e desejosamente transitória de que resultam, diariamente, consequências gravíssimas a nível mundial com milhares de novos casos de infeção e crescente número de mortos confirmados, com efeitos igualmente preocupantes em Portugal, foi declarado no passado dia 18 de março de 2020, o Estado de Emergência no nosso pais, com o Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, implicando a suspensão temporária de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos a fim de prevenir e travar a propagação do vírus.

Conjuntamente, foram adotadas medidas urgentes, extraordinárias e de cariz igualmente temporário tendo em vista, prever, por um lado, normas de contingência e resposta no combate contra a epidemia SARS COV-2 e, por outro, estabelecer um regime adequado à realidade atualmente vivenciada, incidindo sobre os mais variados setores, designadamente ao nível da contratação publica, aquisição de bens e serviços na área da saúde, assistência familiar e proteção social dos trabalhadores, entre outros.

Resultando da declaração de Estado de Emergência e respetiva execução através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, a necessidade de restringir ao mínimo indispensável a circulação na via pública e a permanência em estabelecimentos abertos ao público, é determinado o dever geral de recolhimento domiciliário, o qual, em casos especiais é elevado a confinamento obrigatório e a um dever especial de proteção, impondo nestes casos, restrições acrescidas no que ao isolamento domiciliário concerne.

Tal circunstancialismo contende, de igual forma, com o setor imobiliário e, em especial, com a necessidade de proteção do direito à habitação constitucionalmente previsto, implicando, consequentemente, a necessidade de adoção de medidas de proteção dos arrendatários, em especial naqueles cujos contratos de arrendamento se encontram na iminência, judicial ou extrajudicial, de chegar ao fim, independentemente da forma de cessação visada.

As medidas em apreço, preconizadas essencialmente com o objetivo de paralisar de imediato, ainda que de forma temporária, os efeitos derivados da cessação dos contratos de arrendamento e consequente desocupação dos locados, visam assim evitar que os arrendatários em apreço sejam forçados a desocupar os imóveis que habitam e tenham de procurar uma outra habitação, com todos os transtornos que uma mudança de domicílio geralmente envolve, ou, no pior dos casos, não tenham mesmo qualquer alternativa de habitação numa altura onde é imposto o dever geral de permanência nas habitações a fim de prevenir e travar a transmissão do COVID-19.

Neste sentido, podemos delimitar o conjunto de normas existentes sobre a temática do arrendamento urbano no respeitante ao conjunto de medidas urgentes a adotar contra o surto epidemiológico COVID-19, por referência aos seguintes diplomas: Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que procede à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que procede à execução da declaração do Estado de Emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março.

Iniciando pelo primeiro dos diplomas referidos, resulta do n.º 10 do artigo 7.º, cuja epígrafe é: “Prazos e diligências”, que “são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

Neste sentido, todos os meios processuais atualmente existentes destinados a produzir a cessação judicial do contrato de arrendamento ou a efetivar essa mesma cessação, mediante a desocupação coerciva do locado ficam imediatamente suspensos desde a data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, isto é, desde o dia 14 de março de 2020, à qual retroage a produção de efeitos a referida Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, nos termos do artigo 10.º, o que sucederá desde que o arrendatário, por força da decisão judicial a proferir, possa ficar sem habitação.

O âmbito de aplicação da norma não é imediatamente percetível sendo necessária a análise cuidada do preceito para que se torne possível a respetiva apreensão do mesmo, porquanto, se a uma primeira luz nos parece ser intenção do legislador abarcar todo e qualquer processo em que o arrendatário se encontre na iminência de ver declarada a cessação do seu contrato de arrendamento, ou apreendido coercivamente o bem imóvel objeto do mesmo, da leitura atenta do disposto, tal desiderato não nos surge tão linear como porventura deveria ser.

Assim sendo, em primeiro lugar, o propósito aparente da presente disposição é o de proteger unicamente os contratos de arrendamento habitacionais e dentro destes, tanto os contratos de arrendamento para habitação permanente, como para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, de fora ficando os contratos não-habitacionais, pese embora a desproteção que tais contratos merecem no preceito em análise seja colmatada pelo disposto no n.º 1 do mesmo artigo, o qual dispõe, no que aqui interessa, que, quanto a todos e quaisquer atos processuais que devam ser praticados em processos que corram termos nos tribunais judiciais é aplicável o regime das férias judiciais, o qual se manterá até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

Por outro lado, da parte final do preceituado no n.º 10 do artigo 7.º, parece ser colocada em crise a suspensão de processos em que o arrendatário, após o respetivo desfecho dos mesmos, goze de habitação alternativa, em contraposição com aqueloutros onde, efetivamente, não disponha de tal possibilidade, o que nos parece manifestamente desprovido de sentido, dado que tal conclusão sobre a existência ou não de habitação alternativa findo o processo em apreço, envolveria necessariamente um juízo casuístico que permitisse aferir se cada inquilino, de facto, teria para onde ir no final do processo, o que não sucede em momento algum na tramitação comum de quaisquer dos processos referidos, razão pela qual não se deve, no presente âmbito, levantar tal dúvida.

Por outras palavras, entendemos que o preceituado deverá abranger, inequivocamente, todo e qualquer contrato de arrendamento habitacional, devendo a parte final do mesmo ser interpretada meramente no sentido de que tanto as ações judiciais declarativa e executiva como o procedimento extrajudicial referidos no n.º 10 do artigo 7.º, como meios processuais que são, destinados, respetivamente, à declaração judicial da cessação do contrato de arrendamento ou à respetiva efetivação mediante a desocupação coerciva do locado poderem, como tal, determinar eventualmente que o arrendatário possa, efetivamente, ficar desprovido de habitação no final dos mesmos, sendo assim desnecessário aferir, caso tal venha a suceder, se o mesmo terá ou não habitação alternativa, na medida em que, em qualquer um dos casos, tais processos devem ser suspensos, como referido.

Por sua vez, o preceituado não cura de esclarecer se o disposto é ou não aplicável, de igual forma, às decisões transitadas em julgado resultantes de ação de despejo, pese embora, atenta a ratio legis da norma assim como do respetivo diploma em que a mesma se insere e do próprio objetivo preconizado de proteção social dos arrendatários visados, nos pareça evidente que as mesmas não serão passíveis de execução, no período de vigência do diploma em apreço, a par de que tais decisões constituem unicamente título executivo para efeito de ação executiva para entrega de coisa imóvel arrendada, prevista nos artigos 862.º e seguintes do Código de Processo Civil, a qual, por sua vez, é igualmente objeto da referida suspensão quando se refere a “processos para entrega de coisa imóvel arrendada”.

Importa, por último, notar que o regime referido no artigo 7.º quanto àqueles processos, vigorando desde o dia 14 de março de 2020, não tem ainda qualquer período temporal de vigência definido, na medida em que, como resulta do n.º 2 do mesmo preceito, este “cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional”, vigorando até então.

O artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, por sua vez, sob a epígrafe “Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários” vem consagrar um regime transitório de proteção do arrendatário que vigorará desde o dia 14 de março de 2020 até que seja determinada “a cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública”, consistindo, como resulta da alínea a), na suspensão da produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não-habitacional efetuadas pelo senhorio, sendo uniformemente abrangidos ambos os contratos de arrendamento, independentemente da respetiva finalidade.

Criticável será, porém, o facto de o preceituado apenas indicar como merecedores da referida suspensão de produção de efeitos os contratos objeto de denúncia e, não também, aqueles em que haja ocorrido a oposição à renovação, porquanto, ao referir-se apenas à figura da denúncia, parece apenas estarem abrangidos os contratos de duração indeterminada e não também, injustificadamente, os contratos com prazo certo, os quais constituem, aliás, a regra no que tange à celebração de contratos de arrendamento atualmente, sendo assim carente de fundamento tal exclusão, culminando, se interpretado literalmente, pela redução manifesta de proveito útil do disposto a uma percentagem reduzida de contratos.

Entendemos assim que, ao referir-se à denúncia de contratos de arrendamento habitacionais e não-habitacionais, pretende o legislador, de igual forma, abranger a oposição à renovação no respeitante aos contratos com prazo certo, aos quais, ainda que de forma equivoca, ainda é atribuído o termo “denúncia”, não apenas no senso do cidadão comum mas também pelo próprio legislador, por exemplo no que tange à possibilidade de revogação unilateral do arrendatário após a oposição à renovação do senhorio, nos termos do n.º 3 do artigo 1098.º do Código Civil, razão pela qual não nos parece desprimorosa tal interpretação extensiva do preceituado. 

No respeitante, por sua vez, à resolução dos contratos de arrendamento, importa notar que o legislador não estabeleceu qualquer suspensão expressa quanto aos mesmos, pese embora não necessite de o fazer, na medida em que, no respeitante aos contratos de arrendamento cuja cessação foi peticionada pela via judicial, como vimos, tais processos são objeto de suspensão, quer se encontrem na sua fase declarativa, isto é, em sede de ação de despejo, ou já na fase executiva, ou seja, em sede de ação executiva para entrega de coisa imóvel arrendada.

No que tange à resolução extrajudicial dos contratos de arrendamento, pese embora o lapso legislativo seja evidente, o efeito prático é o mesmo que vimos abranger os contratos cuja resolução é requerida pela via judicial, porquanto, ao desencadear a cessação extrajudicial de tais contratos, mediante uma das vias previstas no n.º 7 do artigo 9.º NRAU , isto é, notificação judicial avulsa, contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução ou, bem ainda, por escrito assinado e remetido ao arrendatário por carta registada com aviso de receção, nos contratos em que haja sido clausulado o domicílio convencionado do arrendatário, terá o senhorio, perante a inércia do inquilino na desocupação do locado, de desencadear o competente meio processual para obter a desocupação coerciva do imóvel de pessoas e bens, isto é, o procedimento especial de despejo, o qual é igualmente objeto de suspensão como vimos supra.

Passando à alínea b) do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, estabelece esta a suspensão das execuções de “hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado”, o que, atenta a epígrafe “Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários” do preceito em que a mesma se insere, não deixa de suscitar dúvidas quanto ao respetivo alcance do preceito, uma vez que, em sede de execução de hipoteca, o executado será, em princípio, o mutuário e adquirente do bem imóvel arrendado, aproveitando a hipoteca a favor da entidade credora perante a qual foi constituída tal garantia real.

 Por outras palavras, executado será geralmente o proprietário do imóvel, na qualidade de mutuário do contrato de crédito hipotecário em que interviu e não o seu arrendatário, o que nos permite assim equacionar que a inserção da referida alínea no preceito em apreço pretenda proteger por um lado, as situações que literalmente nela se encontram previstas, isto é, ficam suspensas as execuções de hipotecas em que o respetivo bem imóvel constitui a habitação própria e permanente do executado e, por outro lado, ficam igualmente suspensas as execuções de hipotecas relativamente a bens imóveis arrendados em que os mesmos constituam habitação permanente dos respetivos arrendatários, assim salvaguardando os contratos de arrendamento para habitação permanente, entendimento que sustentamos.

A par da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, também o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março vem consagrar, no seu artigo 10.º, a proteção aos arrendatários de contratos não-habitacionais que sejam obrigados a encerrar os respetivos estabelecimentos cujo espaço se encontra arrendado, em virtude do cumprimento escrupuloso do conjunto de normas constantes do referido diploma, normas essas que estabelecem, entre outros aspetos, o conjunto de estabelecimentos que poderão continuar em funcionamento em contrapartida daqueloutras instalações e estabelecimentos comerciais, consagrados no anexo I ao mesmo, que deverão ser encerrados durante a sua vigência indeterminada, cuja data de entrada em vigor se inicia no dia 22 de março de 2020.

Assim sendo, o referido artigo 10.º, com a epígrafe “efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis”, vem estabelecer a impossibilidade de invocação por parte do senhorio, enquanto fundamento de resolução do contrato de arrendamento, o encerramento do estabelecimento que se encontra instalado no locado.

De facto, a alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil estabelece que o não uso do locado por período superior a um ano, permite ao senhorio resolver o contrato de arrendamento, o que, na ausência de previsão em sentido contrário e na hipótese de o encerramento perdurar por mais de um ano, poderia fragilizar a posição do arrendatário que, em cumprimento do estatuído quanto à obrigação de encerrar o seu estabelecimento, poderia ver resolvido com justa causa pelo senhorio, o contrato de arrendamento do imóvel em que o mesmo se encontrava instalado, o que seria duplamente penalizador dos seus interesses, quer pelo prejuízo económico resultante da ausência de exploração do estabelecimento durante o período em que o mesmo se encontrava encerrado por imposição legislativa, como pela cessação do contrato de arrendamento por fundamento que, pese embora previsto e verificado, não lhe seria imputável, sendo assim bem-vinda a consagração da referida exceção ao disposto naquele preceito, a fim de evitar o surgimento de casos de manifesta injustiça que a própria lei poderia potenciar.

O referido artigo 10.º acrescenta ainda que tal fundamento não poderá, de igual forma, ser utilizado para sustentar a denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacionais ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados, pretendendo o legislador, desta forma, abranger todas e quaisquer possibilidades de o senhorio se poder prevalecer da circunstância de o estabelecimento se encontrar encerrado, para assim obter a respetiva cessação do contrato de arrendamento ou de qualquer outro contrato ao abrigo do qual seja permitida a exploração desse estabelecimento.

A par da natural impossibilidade de invocação por parte do senhorio do fundamento em apreço para denunciar o contrato de arrendamento não-habitacional, nos termos do artigo 1101.º e seguintes do Código Civil, entendemos que o disposto abrange, de igual forma, toda e qualquer estipulação inserta em contrato de arrendamento em que as partes estabeleçam como condição resolutiva, a caducidade do contrato de arrendamento perante o encerramento do estabelecimento comercial nele instalado.

No respeitante à adoção de medidas em matéria de arrendamento urbano no que diz respeito ao combate do COVID-19, resta, por último, dar nota de uma proposta de lei a submeter nos próximos dias à apreciação da Assembleia da República, destinada a suspender durante o período de três meses, a caducidade dos contratos de arrendamento, assim estabelecendo um regime excecional e temporário de contagem dos prazos dos contratos de arrendamento habitacionais e não-habitacionais. A aludida previsão da suspensão de prazos no que tange à caducidade dos contratos de arrendamento, na mesma linha das medidas de que vimos dando conta nas linhas anteriores, é bem-vinda, em especial, no sentido de promover a proteção dos arrendatários de contratos habitacionais cuja data de cessação, seja por caducidade pelo decurso do prazo estipulado ou por oposição à renovação pelo senhorio nos contratos com prazo certo, se verificasse durante o período crítico que atravessamos, assim permitindo ao arrendatário que continue a residir no locado, desde que continuando naturalmente a cumprir com as mesmas obrigações que lhe seriam imputáveis até esse momento.